sábado, 20 de setembro de 2008

De volta ao gueto

A minha experiência profissional como jornalista tem como grande escola o jornal Povo do Rio, considerado por muitos um veículo sensacionalista. Apesar de ter uma linha editorial bastante polêmica e mal vista pelos acadêmicos da comunicação, nos dias atuais, reconheça-se: há mais informação do que sangue em suas páginas, ainda que de vez em quando, surja uma foto ou manchete apelativa para manchar sua reputação.

Nos 6 meses em que trabalhei lá, cobrindo férias de um repórter e a licença-maternidade de uma outra colega, testemunhei os limites da aberração humana. Entrevistei assassinos, estupradores, ladrões, famílias destruídas. Cobri apenas um enterro, o de uma criança vítima de bala perdida no Morro do Turano, na Tijuca, aos 11 anos de idade. Na ocasião, confesso, não tive fôlego para segurar o choro. A comunidade seria uma das 5 favelas que subi nesse período. A rotina era muito parecida. Acompanhar as forças policiais, em especial o Bope, que desempenhavam operações de todo o tipo. Quando não era para estourar uma boca de fumo, era para desarticular uma quadrilha de roubo e desmanche de carros.

Essa sensação de risco tomou conta de mim ontem novamente. O Varjão é uma favela que fica no Lago Norte de Brasília e a sua existência é o resultado de anos de ocupação ilegal, principalmente por nordestinos, mineiros e goianos desempregados em busca de oportunidades na capital federal. Minha missão era escutar alguns moradores e suas expectativas em relação às políticas públicas que vão transformar essas áreas irregulares em terrenos legitimizados pelo GDF. Não era uma investigação policial, não era uma área de conflito armado generalizado. Eu iria apenas buscar personagens e conversar basicamente sobre problemas urbanos. Por alguns instantes, me senti de volta à zona de guerra. O que conferia alguma excentricidade ao episódio era o divertido taxista que me conduziu ao local e, talvez, por perceber a minha ansiedade tenha se esmerado em ser mais engraçado do que eu supunha ser com os seus clientes. Aos poucos minha alma foi se apaziguando e pude me inserir na realidade daquelas pessoas.

O Varjão ainda está caminhado para ser um local com os pré-requisitos básicos para lhe conferir elementos civilizatórios. Há segurança, uma rede elétrica pouco sofrível, as principais ruas foram asfaltadas, conjuntos habitacionais razoavelmente confortáveis foram construídos, porém há pobreza inegável ao redor. Ao entrevistar um dos moradores, aleijado em função de um atentado a tiro que sofreu há alguns anos, ele reclama de que o local carece de agências bancárias mais próximas. Mas logo se desanima com a possibilidade de serem assaltadas tão logo funcionem. Digo, em seguida, que no Rio elas funcionam sem problemas em locais como a Rocinha, até em função do aumento de moradores de classe média que lá habitam, protegidos por um código de ética do crime que proíbe roubos em áreas comerciais dentro das comunidades. O que ganho em resposta são olhos esbugalhados e um “é mesmo?”

Finda a entrevista, percebo vozes de crianças. Elas estavam brincando de luta com o taxista que se prontificou em me esperar. Recebo apertos de mão e sorrisos cansados de labuta em minha despedida. E saio do Varjão com uma estranha sensação de paz. No Rio, não era raro me ocupar de certa frustração. Às vezes invejava os meus coleguinhas da imprensa carioca que se ocupavam com tarefas menos beligerantes como entrevistar um gabaritado economista ou alguma autoridade municipal. Mas diante do que encontrei hoje, pude perceber o quanto sou sortudo. Não precisei de escolta policial, de colete à prova de balas. Não havia o perigo iminente de se estar em um tiroteio. Nem o fato de andar de táxi por ali representava um abuso da sorte. Resumindo: Nunca uma ida ao gueto foi tão reveladora.

Um comentário:

Antonio Proenca disse...

eita...
vai la no meu blog, rapa! tem um post sobre o IRA q eu acho q vai te interessar, abra Antonio