quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Um pouco sobre o Rio



Gostaria de tecer uma análise minuciosa sobre Tropa de Elite, um filme complexo por demais em toda a sua estrutura narrativa e discursiva, mas tal detalhamento crítico levaria horas e o tempo é um tanto escasso para a conclusão de um trabalho com que se espere um mínimo de satisfação. Porém, gostaria de dizer algumas coisinhas:

1) Quem quiser simplificá-lo com recalques de extremos ideológicos vai estar cometendo a mais doce das imbecilidades. É um excelente filme que nada mais é do que a tradução de um conjunto de consequências dentro de nossa sociedade, onde TODOS têm a sua parcela de culpa. Elite e políticos, principalmente. Vamos precisar de mais alguns anos para verificar se "Tropa..." vai padecer no limbo do esquecimento ou pertencer àquela sagrada galeria de filmes essenciais para se entender uma determinada época.

2)O Capitão Nascimento é um ser devastado emocionalmente, está à beira de um colapso nervoso, toma anti-depressivos para estabilizar a sua neurose.Tem um casamento falido, sente remorso, está estafado e quer abandonar a rotina de violência que integra a sua vida. Está sendo internamente massacrado pelo cotidiano que tem. Ele está muito longe da perfeição dos heróis mitológicos. Ele não um Super-Homem portando um fuzil a tira-colo. O Capitão Nascimento é a sua própria kriptonita. Ele é humano, demasiadamente humano, como diria Niezstche.

3) Até o próprio criador do Bope, Coronel Amêndola, em entrevista a um blog especializado em reportagens policiais do Globo admitiu que o comportamento de Nascimento é um pouco fantasioso. Será?

4) Aqui está disponível uma resenha crítica sobre "Vigiar e Punir", o livro do filósofo francês Michel Foucault sobre o nascimento das instituições de repressão e controle penal que originaram metamorfoses do calibre de um Bope. A obra-prima é mencionada no filme e tem quase um parágrafo inteiro lido pelo personagem Matias, feito com maestria por André Ramiro. Aliás, o livro, completou exatas três décadas de polêmicas esse ano.

5)Vamos combinar. Nem toda ONG é um antro de permissividade e conluio com o tráfico como é mostrado na película. Tive o prazer de conhecer de perto o trabalho de, pelo menos, umas 5 delas no ano passado e o único entrave que, de fato, precisa passar pela "aprovação" dos chefões das bocas de fumo é o local onde vai ser construído o escritório da Organização Não Governamental e o que ela vai fazer em detalhes. De resto, desde que um não atrapalhe "os negócios" do outro, é cada um para um lado na santa paz de Deus.

6) Resumindo, resumindo, resumindo, "Tropa de Elite" é o nosso primeiríssimo filme de guerra. Assim como em "Platoon" e "Nascido para Matar" que retratavam, cada um à sua maneira, um exército em crise, apesar de propagada infalibilidade (o primeiro foca-se na decorrada moral, o segundo na derrocada psicológica), o exemplar tupiniquim estrapola as derrocadas sociais que anulam sua áurea de perfeição.

3 comentários:

Antonio Proenca disse...

Curioso saber que as ideias de Foucalt ainda prevalecem. Mas por exemplo aqui na Irlanda vc ve um sistema bem diferente dai do Rio, onde a policia sequer tem armas e tem empatia de todos. Enfim, tambem quero ver qual vai ser a reacao do mundo pra esse filme. Forte abraco

Anônimo disse...

Meus comentários:
1 -O teu tópico 1 parece a frase feita que venho ouvindo desde que o filme ainda não tinha sido lançado: esse filme mostra a realidade!

2 - O diretor e os produtores vem repindo (à exaustão) que trata-se de uma ficção baseada em um livro semi-confessional, há que se lembrar sempre, que todo relato é parcial.

Mesmo o do pobre-coitado autor do livro, que afirmou ter abandonado o BOPE por não suportar mais a falência moral e financeira a que estava sujeito. Eu ouvi entrevista do sujeito chorando as migalhas de ter ido 3 vezes a europa com recursos próprios para se especializar (sabe lá deus em quê) e trazer novos conhecimentos para seu agora repudiado ofício.

3 - Vc cita o Vigiar e Punir: a questão do poder! Foucault é referência sim, para estudar as imbricações do poder público e peça chave para entender a legislação que regula segurança pública no Brasil. concordo! Mas não é a única via, e nem a única alternativa. Eu não conheço as outras. Mas sei que apesar de referenciado, Foulcault vem sendo evitado, por ser "lugar-comum", ora quem diria...

4 - Em tempos em que a palavra terrorismo virou justificativa para os atos mais descabidos de regulação da existência alheia, E em que se perpetua a mais perfeita herança dos tempos modernos - que exalta o individualismo em detrimento da coletividade - as nossas imberbes sociedades pós-modernas (as ocidentais, veja bem) ainda não conseguiram ajustar essas singelas inconguências na tentativa de estabelecer uma maneira de regulação da ordem pública. Seja através de polícias locais, exércitos nacionais ou milícias oficiais.

5- Acho muita pretensão chamar esta película de nosso primeiro filme de guerra. A referência me agrada, é verdade. Mas acredito que não mexa o suficiente em nenhuma ferida nacional. Só local. A carioca, diga-se de passagem. E, que eu saiba, ninguém saiu chorando do filme, pelo contrário. Capitão Nascimento virou símbolo de poder, autoridade e respeito. E claro, uma piada por isso. ("pede pra sair", é o jargão da vez!)

6 - Se é pra falar de películas, lembremos que a voga da vez é exaltar a memória dos vilipendiados pela Ditadura Militar. Nisso sim o cinema nacional vem se empenhando. Dar lugar aos perseguidos de outrora tem sido o nosso grande filão em termos de constituir uma filmografia que dê espaço a uma ferida social da nação. De alguns poucos, é verdade. Mas com o empenho da cinematografia nacional, em breve se tornará de todos nós. Ou não. Infelizmente, a receptividade dos mesmos na bilheteria não corresponde ao empenho dos nossos cineastas.

Gostei do texto. Mas espero que vc não se empenhe, tanto quanto eu, em comentar o meu "comentário". Caso contrário, é melhor escrever outro texto. rs
Se quiser mande por e-mail.
Beijos pra ti,

Anônimo disse...

Parece que estão querendo redimir tua afirmação sobre "Tropa de Elite" ser o nosso primeiríssimo filme de guerra.
Já viu a repercussão do mesmo em Berlim?
Mando um link que me lembrou esse teu texto:
http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/02/16/premio_tropa_de_elite_visto_como_desforra_apos_criticas-425690890.asp

Beijos,
Daí